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Artigo: Ação de alimentos e distribuição do ônus da prova: possibilidade?

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O Novo CPC criou e explicitou inúmeras regras capazes de impactar sobremaneira as ações envolvendo direito de família e chamo aqui a atenção, especificamente, para a distribuição diversa do ônus da prova.

Apesar de a doutrina e alguns órgãos judiciários já lidarem, há algum tempo, com a distribuição dinâmica deste ônus fora das relações de consumo, agora, com a positivação, aberto está o campo para a aplicação da regra de forma mais pacífica, notadamente nas ações em que se pedem alimentos. Era, pelo menos, o que se vislumbrava.

Pensava eu: resolvemos um problema de vulnerabilidade processual gerada pela dificuldade de produção da prova dos rendimentos do suposto devedor que não era empregado nem servidor público.

Entretanto, há pouco tempo defrontei-me com o seguinte argumento de um colega Defensor Público: “a distribuição diversa do ônus da prova não pode ser aplicada às ações de alimentos. Nelas não há decisão de saneamento e organização do processo. Não há momento oportuno para a distribuição ou inversão”.

O argumento é inquietante. Será mesmo não ser possível a distribuição do ônus da prova nestas ações em que há evidente vulnerabilidade processual e material?

Ajuizada a ação, o artigo 5º, § 1º, da Lei nº 5.478/68, prescreve que, após designada a audiência de conciliação, instrução e julgamento, o juiz fixará prazo razoável para o réu apresentar sua defesa.

Vencendo o prazo antes da AIJ, maiores problemas não há porque, oferecendo a defesa antes da audiência, caberá ao magistrado a aplicação do artigo 357 do CPC/15 momento em que, dentre outras providências, definirá a distribuição do ônus da prova atendidas as peculiaridades da causa.

O problema está na situação geralmente verificada no cotidiano das varas de família: em regra, o demandado pode apresentar defesa no momento da audiência de conciliação, instrução e julgamento. E, normalmente, esta audiência é una.

Neste caso, como proferir decisão distribuindo tal ônus sem violar a ampla defesa do réu? Distribuir o ônus no momento da audiência sem que a parte possa se preparar para desencumbir tal encargo, sendo surpreendida, não viola a ampla defesa? Como fazer então?

Em primeiro lugar, e essa ponderação tem que ser feita, a possibilidade de apresentação de defesa em audiência pode acarretar violação do contraditório. Isto porque, caso haja necessidade de produzir contraprova e não haja cisão da audiência, a parte autora não terá prazo razoável para se manifestar.

Mas, repito: e se a audiência for una, sem cisão, haverá possibilidade de distribuição do ônus da prova mesmo que o réu possa aguardar até a audiência para apresentar sua defesa? Pode haver distribuição em outro momento que não o saneamento? Ou melhor, pode ocorrer mesmo que não haja decisão de saneamento?

A resposta é sim.

Inegavelmente a decisão de saneamento e organização do processo não é o único momento para a distribuição do ônus da prova. Desde que não encerrada a instrução e observado o contraditório e a ampla defesa, pode o magistrado tomar tal providência a qualquer momento verificando, após pedido da parte, ser impossível ou extremamente difícil a prova do fato constitutivo do direito, pelo autor, ou do fato impeditivo, modificativo ou extintivo deste direito, pelo réu, além da hipótese de maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário. Vale o registro de que a distribuição não pode tornar o encargo impossível ou extremamente difícil para a outra parte, a chamada prova diabólica.

Portanto, não há óbice que a análise do pedido de distribuição do ônus da prova nas ações de alimentos se dê a qualquer momento antes do encerramento da instrução, mesmo que ainda não haja defesa nos autos, respeitando-se, sempre, o contraditório. Após pedido da parte, caso o prazo para apresentar resposta vá até a audiência de conciliação, instrução e julgamento deve o magistrado intimar a parte contrária para se manifestar, por aplicação do salutar artigo 10 do CPC/15, e, em seguida, decidir sobre a distribuição de modo que, na audiência, cada um tenha plena consciência de seu ônus.

Negar a aplicação desta regra de instrução às ações de alimentos pelo simples fato de que, em regra, pelo menos é o que se verifica cotidianamente, não há decisão de saneamento e organização do processo dado o rito especialíssimo implementado pela Lei 5.478/68, é atribuir, conforme o caso, excessivo e inaceitável ônus a quem se encontra em situação demasiadamente vulnerável tanto processual quanto materialmente. A negativa poderá até inviabilizar a correta aferição da possibilidade econômica do alimentante gerando graves prejuízos ao alimentando.

Como exigir de uma parte a prova dos rendimentos do réu que exerce atividade autônoma, sem, portanto, registro formal de emprego, sem tangenciar a excessiva dificuldade ou até mesmo a impossibilidade? Distribuir o ônus de forma a determinar que ele apresente documentos hábeis a comprovar sua renda está dentro da teleologia da norma de modo a possibilitar a fixação da prestação alimentar conforme os critérios legais estabelecidos.

Portanto, não há campo mais fértil para a aplicação desta norma que nas ações de alimentos independentemente do prazo para apresentar resposta, antes da (ou em) audiência, e de ser proferida, ou não, decisão de saneamento e organização do processo.

 

Porto Velho, 21 de fevereiro de 2017

 

Daniel Mendes Carvalho

Defensor Público

Titular da 4ª Defensoria Pública de Terceira Entrância

Atua nas ação em trâmite na 4ª Vara de Família da Comarca de Porto Velho e em procedimentos extrajudiciais.


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