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70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos: entrevista com o Defensor de RO Vítor Miranda

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Hoje, 10 de dezembro, a Declaração Universal dos Direitos Humanos completa 70 anos. Para compreendermos a importância desta data e o que a Declaração Universal dos Direitos Humanos significa na vida de milhares de pessoas – assim como também entendermos o papel da Defensoria Pública na Defesa dos Direitos Humanos – conversamos com o Defensor Público Vítor Miranda, que é Mestre pela Universidade de Passau, Alemanha, e membro da comissão estadual de direitos humanos e da comissão de direitos humanos do CONDEGE.

DPE-RO: O que são direitos humanos? E quais são eles?

Vítor Miranda: Direitos Humanos e Direitos Fundamentais são muitas vezes tratados como sinônimos. A principal diferença entre eles é que uns são previstos em instrumentos internacionais e outros nas leis produzidas dentro de cada país. O mais importante é que ambas as categorias de direitos têm por objeto servir de base para a construção de todas as leis e demais normas de um país e garantir os direitos mais básicos: direito de ser reconhecido como humano e igual aos demais, direito a ter um nome, direito de ter a religião que quiser, direito de expressar seu pensamento livremente, direito à propriedade privada, dentre muitos outros. Apesar de esses direitos parecerem óbvios, ainda há pessoas no mundo que são consideradas como se fossem de segunda classe, por terem determinada origem ou por professarem uma religião diferente daquela que a maior parte das pessoas comunga.

DPE-RO: Neste ano, a Declaração Universal dos Direitos Humanos está completando 70 anos, você acha que avançamos no respeito às garantias mínimas do homem nas últimas décadas?

Vítor Miranda: A Declaração Universal dos Direitos Humanos teve como pano de fundo os acontecimentos da 2ª Guerra, quando diversos grupos foram perseguidos, torturados e mortos, por não pertencerem ao grupo que pretendia impor o domínio absoluto sobre os demais, sem aceitar que formas diferentes de pensamento e expressões de modo de viver foram proibidas, incriminadas e até banidas. Por isso, ciganos, judeus e homossexuais foram presos, colocados em campos de concentração, escravizados (muitos campos de concentração eram também fábricas) e mortos. Além disso, nesses mesmos campos, pessoas foram obrigadas a servir de cobaias em experimentos científicos que hoje em dia não submetemos nem mesmo animais, pois tiveram seus abdomes abertos sem anestesia, foram colocadas em água gelada até morrerem ou tiveram substâncias administradas em seus corpos sem que o efeito desses compostos fosse conhecido. Quando pensamos que isso tudo ocorreu no século passado, vemos que ainda é muito recente. Porém, causa ainda mais espanto que, mesmo depois da declaração e de outros tratados, ainda tenha havido gravíssimas violações às pessoas, como no caso do  “estudo de sífilis de Tuskegee, nos Estados Unidos, quando doentes de sífilis tiveram deliberadamente o tratamento da doença negado, somente para que o desenvolvimento da doença fosse analisado, sendo que o tratamento eficaz já era conhecido. Esse estudo terminou em 1972. Muito já se caminhou adiante, mesmo assim, o caminho que todos nós ainda temos pela frente não é curto, ainda mais em nosso país, tão marcado pelas desigualdades.

DPE-RO: Muitas pessoas se posicionam contra a defesa de direitos de pessoas em situação de marginalidade e exceção, como a dos presidiários, usando o discurso de que “só existe direitos humanos para bandido”. O que você tem a dizer sobre isso? Direitos Humanos para humanos direitos ou Direitos Humanos para todos?

Vítor Miranda: Pelos exemplos que demos acima, é possível se ver que a defesa dos direitos humanos não é só uma defesa do outro, não é “somente” altruísta. Trata-se de uma defesa de nós mesmos, pois qualquer um pode vir a ter seus direitos violados.

Por exemplo, quando alguém atropela outra pessoa não intencionalmente, quem foi atropelado teve seu direito à integridade física violado e poderá requerer a responsabilização civil, em razão dos danos que sofreu, tanto dano moral, como material – e essa garantia é prevista pelas regras de direitos humanos e direitos fundamentais. Além disso, aquele que causou o atropelamento também poderá responder a um processo criminal, que pode culminar com a pena de ter sua liberdade privada, como também prevê a legislação. Destaco que o processo penal prevê garantias fundamentais, como o contraditório, ampla defesa e proibição da pena de tortura, por exemplo. Isso é um ganho civilizatório enorme: passamos da vingança privada para o processo penal estatal, que pode culminar em uma pena determinada, cujas consequências são sabidas por todos de antemão, uma vez que não se pode inventar uma pena nova para algo que já aconteceu. Isso tudo são garantias trazidas pelos direitos humanos.

Garantir que os direitos humanos sejam aplicados a todos, indistintamente, é uma forma de nós mesmos nos defendermos. Além disso, o desconhecimento da legislação e o desrespeito com que o Estado trata os cidadãos faz com que se tenha a impressão de que direitos humanos são somente para determinada parcela da população. Desconhece-se, por exemplo, que o trabalho é uma obrigação do preso, determinada no art. 31 da Lei de Execução Penal e que, ao descumprir as obrigações, ele pode ter a concessão de progressão de regime negada, pois não terá bom comportamento. Além disso, a remuneração obtida com esse trabalho deve ser destinada também à indenização das vítimas de seus atos, como prevê o art. 29, § 1º, a da mesma lei – o que também é um direito humano. Outros pontos que a legislação prevê são a classificação e divisão dos presos de acordo com a periculosidade, o que, contudo, não é cumprido pelo Estado.

DPE-RO: Cite um exemplo de uma prática ou mais que comprove que uma política de direitos humanos efetiva tem impacto positivo sobre todos?

Vítor Miranda: Um grande exemplo de  efetivação dos direitos humanos é o Sistema Único de Saúde, por mais que sua efetiva implementação e alcance tenham que ser aumentados, não podemos deixar de reconhecer seus impactos em diversas frentes, como no tratamento da diabetes, câncer e doenças de alta complexidade, como a hepatite C, cujo tratamento é superior a R$ 100.000,00 e é acessível a todos. Não podemos esquecer também de programas como  Saúde da Família e erradicação da subnutrição.

DPE-RO: Fale sobre a atuação da Defensoria Pública na defesa e promoção dos Direitos Humanos:

Vítor Miranda: Toda a atuação da Defensoria é, a meu ver, direcionada à proteção dos direitos humanos, tanto quando buscamos que uma criança seja matriculada na escola, como quando garantimos que ela tenha o nome do pai em sua certidão, ou que alguém tenha os documentos básicos, que seja indenizado, que as regras do devido processo legal sejam respeitadas, etc. Tudo isso pode ser reconduzido à defesa dos direitos humanos.  Outro desafio da instituição, nesse contexto, é a implementação da lei estadual 3616 de 2015, que prevê, por meio da Defensoria Pública, o apoio das vítimas de crime.

DPE-RO: Quais os maiores desafios encontrados na defesa dos Direitos Humanos? E como podemos mudar essa realidade?

Vítor Miranda: Entendo que o maior desafio é mostrar a amplitude dos direitos humanos, que todos nós nos beneficiamos deles. Esse grau de consciência só pode ser atingido por meio da conscientização do que são os direitos humanos.


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