
Chegar à idade adulta — e quase à fase idosa — sem qualquer registro civil parece impossível para a maioria das pessoas. No entanto, essa foi a realidade enfrentada durante quase seis décadas por Leandro Montes Silva, morador da zona rural de Nova Mamoré, conhecido até então apenas como “Leandro”. A Defensoria Pública do Estado de Rondônia (DPE-RO), por meio do Núcleo de Guajará-Mirim, tomou conhecimento da história de Leandro e o auxiliou para que sua cidadania fosse finalmente garantida.
Sem certidão de nascimento, Leandro cresceu sem conhecer sua origem, história ou sequer sua idade real. Criado por moradores da região onde vivia, no atual Projeto Sidney Girão, ele nunca teve informações sobre seus pais biológicos, data exata de nascimento ou local em que veio ao mundo. Devido à ausência completa de documentação pessoal, também não pôde frequentar a escola nem receber atendimento médico adequado.
Sua companheira, contudo, passou a incentivá-lo a buscar seus direitos básicos: “Ninguém envelhece sem identidade”, dizia ela. A insistência foi determinante para que Leandro tentasse obter sua certidão pela primeira vez em 2009. A tentativa, no entanto, foi frustrada, assim como uma segunda investida em 2013, alimentando sua descrença no sistema de justiça.
Ainda assim, Leandro não desistiu. Em 2025, ele buscou atendimento na Defensoria Pública de Guajará-Mirim, onde relatou sua história. O caso sensibilizou a equipe, que mobilizou esforços técnicos e jurídicos para garantir seu direito fundamental à identidade.
Para definir sua idade aproximada, foi solicitado um exame de estimativa de idade ao Instituto Médico Legal (IML). O laudo científico, realizado por uma perita odontolegista, indicou que Leandro possui cerca de 56 anos, fixando seu ano de nascimento em 1969. A escolha do dia e do mês ficou a critério do próprio assistido, que decidiu registrar o dia 25 de julho, em homenagem ao aniversário da esposa — a responsável, segundo ele, por reacender sua esperança.
Com base no conjunto de provas e no laudo pericial, o Poder Judiciário reconheceu o direito de Leandro à documentação, julgando procedente o pedido proposto pela Defensoria Pública. Assim, após quase 60 anos “sem existir” formalmente, Leandro recebeu sua primeira certidão de nascimento e pôde, pela primeira vez, pronunciar seu nome completo: Leandro Montes Silva, nascido em 25/07/1969.
O momento foi marcado por grande emoção. Com o documento em mãos, Leandro afirma que agora deseja viver com dignidade: acessar serviços de saúde, tomar vacinas que nunca pôde receber, acompanhar sua esposa em órgãos públicos e exercer plenamente sua cidadania.
A Defensora Pública que atuou no caso, Erica Rubielly, ressaltou a importância do atendimento humanizado: “A história do senhor Leandro é muito bonita e nos mostra que a garantia de direitos básicos exige, de todos os integrantes do sistema de justiça, um olhar que vá além do aspecto meramente técnico, alcançando também a dimensão humana. A obtenção de sua documentação só foi possível porque compreendemos que o direito existe para servir à população e que não podemos descansar enquanto houver pessoas sem a dignidade devidamente assegurada, como agora ocorre com Leandro.”
A Defensoria Pública do Estado de Rondônia destaca a relevância social desse caso. A instituição reforça que ainda há inúmeras pessoas vivendo em áreas rurais e regiões remotas que enfrentam o mesmo cenário — sem documentos, sem acesso a políticas públicas e invisíveis perante a sociedade. A atuação da Defensoria busca assegurar que essas pessoas tenham reconhecido o direito elementar à existência civil, condição imprescindível para o exercício de todos os demais direitos.


