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Artigo: Animosidade entre pais inviabiliza a guarda compartilhada?

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Em fevereiro deste ano, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no REsp. 1.642.311/RJ, decidiu que a animosidade entre ex-companheiras e suas diferenças de ponto de vista sobre a criação do filho não seria impedimento para a fixação da guarda compartilhada. Para a Relatora, Ministra Nancy Andrighi, o artigo 1.584 do Código Civil não “deixa margem a debates periféricos” sendo o compartilhamento a regra.

Este julgado contrasta com outro da mesma Turma (REsp. 1.417.868/MG) no qual se assentou que o intenso dissenso e brigas e a falta de cooperação entre os pais podem ser fatores impeditivos do compartilhamento. O relator, Ministro João Otávio de Noronha, assentou que a falta de maturidade dos pais para o exercício da guarda compartilhada imporia à criança a absorção dos conflitos que certamente adviriam. Concluiu que haveria risco ao seu desenvolvimento psicossocial.

Afinal, pais que vivem em conflito não teriam condições de compartilhar a guarda dos filhos? Seria a guarda compartilhada geradora ou potencializadora de desentendimentos entre pais que vivem em atrito? De outro modo: a guarda compartilhada elasteceria tanto assim os direitos e deveres de um pai ou mãe a ponto de contribuir para a perpetuação de um estado de ânimo conflituoso entre eles?

Quando falamos de guarda entre pais temos que visualizar, de forma desembaraçada, o real alcance do instituto. Está ele, na verdade, vinculado à ideia de manutenção do menor sob a companhia de um ou outro genitor ou, conforme preferem outros, à de custódia física. Desta forma, aquele que exerce a guarda unilateral acaba tendo o menor sob sua companhia na maior parte do tempo cabendo a quem não a exerce o direito e a obrigação de convivência segundo o acordado ou imposto por decisão judicial.

O que se percebe é que a guarda não produz, ou não deveria produzir, maiores reflexos no exercício do poder familiar senão, conforme exposto, quanto ao período de convivência.

É falsa, portanto, a ideia amplamente difundida de que o guardião tem sempre a última palavra em relação às decisões de interesse do filho. Independentemente do modelo de guarda adotado, ambos possuem poder decisório e suas ponderações tem o mesmo peso. Isto porque a guarda unilateral não limita quaisquer dos direitos e deveres decorrentes do poder familiar estampados no artigo 1.634 do Código Civil, notadamente o dever de cuidar, criar e educar.

Defensor Público Daniel Mendes Carvalho.

Defensor Público Daniel Mendes Carvalho.

Por outro lado, se não há maiores reflexos no exercício do poder familiar, não se pode negar que a guarda unilateral provoca um grande impacto no campo psicológico. O guardião, neste caso, geralmente tende a achar que sua autoridade sobre o filho é maior enquanto que o outro genitor, neste contexto, tende a se eximir de sua responsabilidade com um gradual afastamento.

Por isso, a guarda compartilhada, como regra, é fundamental para manutenção do vínculo afetivo.

Esta nada mais é que uma imposição aos pais para que ambos assumam, conjuntamente, papel de protagonismo na criação dos filhos, o que geralmente não ocorre na guarda unilateral, repita-se, mais por conta de um fator psicológico do que por qualquer outra coisa, considerando que este dever de protagonismo não decorre da guarda mas sim do poder familiar.

O que se objetiva com a guarda compartilhada é evitar o afastamento de um dos genitores chamando-o a exercer, de fato, os direitos e obrigações oriundos deste poder. E para isto nada melhor que uma divisão equilibrada da convivência do filho com ambos os genitores.

Mas não nos esqueçamos: mesmo na guarda unilateral há o dever de participação conjunta quanto à criação, educação, manutenção e cuidado.

Logo, se nas duas modalidades de guarda há co-responsabilidade sem prevalência de autoridade (a voz de ambos os pais tem o mesmo peso), a animosidade entre eles não gera ou potencializa conflitos apenas na guarda compartilhada, mas também na unilateral. Como dito, as eventuais brigas dizem respesito a divergências frente a situações que reclamam o exercício do poder familiar, não se relacionando especificamente à guarda (compartilhada ou unilateral).

É por isso que o artigo 1.584, § 2º, do Código Civil, ao tratar a guarda compartilhada como regra, nada menciona quanto à necessidade de harmonia entre os pais, elencando apenas duas hipóteses para sua não aplicação: se um dos genitores declarar que não deseja a guarda ou se um deles não se encontrar apto a exercer o poder familiar.

Eventual desarmonia entre pais de modo algum inviabiliza a aplicação do compartilhamento e, de igual modo, não procede a percepção de que sua aplicação, neste caso, traria mais conflito. Este existirá em maior ou menor grau quanto maior ou menor for a capacidade do genitor de enxergar o outro como um dos pilares fundamentais na criação dos filhos, independentemente da espécie de guarda adotada.

Portanto, a guarda compartilhada nada tem a ver com o acirramento dos ânimos. Pelo contrário, pode ela, aí sim, ser fator essencial para sua diminuição na medida em que a maior participação gera aumento da conscientização da importância do outro. O que potencializa os desentendimentos são aspectos laterais (ex.: mágoas decorrentes do relacionamento) independentemente do modelo de guarda verificado. Seja unilateral ou compartilhada, os filhos sempre estarão no olho da tempestade enquanto os genitores não resolverem estas questões ligadas muito mais a eles que aos filhos.


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