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O projeto-Moro e o recrudescimento das ações policiais

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No último dia 8 de fevereiro, enquanto o Brasil chorava a morte de dez adolescentes nos alojamentos do Centro de Treinamento do Flamengo, muitas mães da favela Fallet-Fogueteiro, na cidade do Rio de Janeiro, também choravam a perda de seus filhos, em decorrência de uma ação policial na comunidade. O número inicial de óbitos nessa incursão – 13 no total – chamou a atenção, já que se tratava da operação com maior número de mortos desde 2007. Posteriormente, dois outros corpos encontrados na mata que circunda a favela aumentaram a conta para 15.

Dias antes, o noticiário nacional se debruçava sobre outro tema, que, a princípio, não teria relação com as mortes ocorridas na comunidade localizada na Zona Norte do Rio, bem ao lado do de onde, atestam historiadores, o samba nasceu: a divulgação, pelo Ministério da Justiça, de um pacote de mudanças legislativas em diversos diplomas (Código Penal, Código de Processo Penal, Lei de Crimes hediondos, Lei de Execuções Penais) visando ao combate do chamado “crime organizado” e à diminuição da prática de delitos no pais.

Uma das mudanças mais comentadas e polêmicas residia exatamente naquilo que corresponde aos chamados excludentes de ilicitude previstos no Código Penal Brasileiro, ou seja, hipóteses em que a conduta do agente, apesar de aparentemente ser considerada como criminosa, não é enquadrada como tal, pois o autor estaria acobertado por uma situação que justificaria a sua atuação.

0 mais conhecido desses excludentes de ilicitude corresponde à legitima defesa, prevista no art. 25 do Código Penal, situação na qual o agente pratica um ato para repelir “injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.

Pois bem. Entre as modificações propostas pelo Ministério da Justiça para ampliar a aplicação desse excludente, encontra-se a presunção de que o agente policial ou de segurança pública, quando em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado, atuaria em legitima defesa. O mesmo entendimento vale para agente policial ou de segurança pública que previne agressão ou risco de agressão à vítima mantida refém.

O estabelecimento dessas duas modalidades especificas de legitima defesa, nos incisos I e II do proposto parágrafo único do art. 25 do Código Penal, traz para o campo do subjetivismo policial o conceito da injusta agressão: como se avaliar o chamado “risco iminente de conflito armado? “

Se a existência de um conflito armado, de maneira geral e baseado no empirismo, já poderia desde logo ser enquadrada como configuradora de uma situação de legítima defesa, o risco desse conflito é algo por demais abstrato e largo. O simples fato de o agente entrar em uma comunidade em que haja tráfico de drogas já representaria o risco de conflito? A observância de um indivíduo armado, idem?

Todavia, para além dessas questões, que já vinham sendo objeto de debates no período eleitoral, com candidatos promovendo respaldo jurídico a operações policiais que, porventura, deixassem pessoas mortas ou mesmo garantindo a chamada lei do abate”, um ponto, aparentemente irrelevante, acabou passando despercebido por aqueles que discutiram a materialização das promessas de campanha em iniciativas legislativas: a chamada “retroatividade da lei penal mais benéfica.”

O art. 2 do Código Penal, em seu parágrafo único, é expresso em afirmar que “a lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.”

“Em outras palavras, o advento de uma lei penal que favoreça a pessoa acusada de um crime deve atingir todas as situações, mesmo aquelas em que os agentes foram condenados, seja para diminuir a pena, mudar a fração de cumprimento para progressão de regime ou mesmo para excluir a prática de um crime.

Na moderna teoria do Direito Penal, um agente que pratica um ato sob uma das causas excludentes de ilicitude não pratica crime. E, não praticando crime, por essas condições, deve ser absolvido.

Se uma lei aumenta as hipóteses em que o agente pratica o crime sob esses excludentes de ilicitude, parece-nos evidente que essa lei é mais benéfica e que, portanto, deverá retroagir, atingindo a todos os agentes policiais que tenham agido com risco iminente de conflito armada. Sejam aqueles que praticaram esses atos há dez anos, por exemplo, ou mesmo aqueles envolvidos nas mortes do Fallet-Fogueteiro.

0 recrudescimento das operações policiais, como visto no episódio mencionado, pode tornar-se frequente ante a simples possibilidade de o “Projeto Moro” vir a se tornar lei. A perspectiva de uma anistia legal, ampla e irrestrita a atos de violência policial é o motor legitimador dos “cavalos corredores” do século 21.

Autores:

Marcus Edson de Lima – Presidente do Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais (Condege)

Rodrigo Baptista Pacheco – Defensor público-geral do Rio de Janeiro


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